domingo, março 16, 2008

Sobre um mal;

As etapas com as quais se depara no decorrer da existência pessoal nem sempre são bem definidas. A nitidez entre a passagem de uma fase, por exemplo, individualista, para uma visão de mundo cooperativa e, talvez, humanista, só é percebida depois da vivência nas duas. É o futuro que classificará, determinantemente, o que fomos (e expandindo: no que acreditávamos, o que defendíamos;) no passado.
Porém o que me espanta é observar que -por mais "cheia de si" que a frase possa parecer- muitos seres humanos permanecem, por um tempo longo demais, na mesma nomotonia, com os mesmos desejos e a mesma maneira de pensar e interagir com as entidades físicas, biológicas e psíquicas que satisfazem o mundo. Talvez se possa dar a essa "maneira constante de ser" o nome de acomodação interna. É o que acontece, por exemplo, com um executivo que realiza todos os dias as mesmas tarefas -usando doas mesmas táticas empresariais-, desde o escovar de dentes matinal até o adormecer exausto com a televisão ligada no canal do noticiário. Suas ações físicas são, sem exceções, as mesmas; Conseqüentemente (e isso é absolutamente claro para mim) suas "percepções" internas (ou seja: os sentimentos, as sensações, os pensamentos) serão, também, iguais as do dia anterior, que eram inguais a do do outro dia anterior, e assim por diante, como num ciclo.
Se eu fosse uma especialista na área de pesquisas médica, tomaria como objeto de estudo a acomodação interna e seus fatores, suas causas e suas respectivas reações, visando provar ser ela uma doença; típica anomalia causada pelo meio externo, e que cresce progressivamente de década para década. A posologia seria, em partes, simples: doses altas de passeios por lugares verdes e pouco poluídos, noites bincando de jogos de estratégia, leituras diárias ao gosto do paciente, momentos boçais de descontrole emocinal com direito a alterações das sensações (isto com a finalidade de aguçar os sentimentos), valoriação dos abraços e afagos, corte drástico do tempo na frente de máquinas, substituindo-as por outros seres vivos, por ar livre e por momentos (sim!) de ócio. Medicação sem reações adversas perigosas, porém com riscos de libertação moral e estado de êxtase ou plenitude pessoal.
O triste é que essa doença pouco interessa aos médicos, muitas vezes eles mesmos afetados e definhando graças a ela. Por isso só nos (a mim, eu confirmo.) resta o pouco -e muito pouco- : temê-la e tentar, de todas as formas, manter-se afastado além da linha quase invisível da alienação coletiva.

2 comentários:

Fischer disse...

Primeiro deves reparar que o que mais interessa aos "desenvolvedores" é o que pode ser patenteado e posto à venda. Assim que se investe tanto em medicamentos de controle (por exemplo, para hipertensão, que são remédios caros que acompanharão a pessoa por toda a sua vida [pelo que sei...]), mas pouco em medicamentos para doenças epidêmicas (e endêmicas); escrevendo de outra forma, as doenças que assolam principalmente países subdesenvolvidos ("em desenvolvimento" é um feio eufemismo; não acho que um país assim possa libertar-se da dominação do capital estrangeiro...).

Sobre a "sua" (repara que esses pronomes nem sempre indicam posse; muitas vezes é somente relação, como em 'sua mãe') patologia: não acho que seja de ato uma doença. Acredito que a pessoa fica debilitada intelectualmente (e sensoriamente, também), mas classificar como doença ou não seria como dar um índice legal de importância; seria como a valorização a uma doença depois que a OMS passasse a considerá-la desta forma.

Sobre o processo, ou doença: acho que o homem possivelmente virá a se "acomodar internamente" da forma como tu definiste, em algum grau. Os humanos fazem o mais cômodo, ou ao menos o que lhe parece assim, e daí acabam tomando alguma atitude (tomar atitude é assumir um comportamento, por exemplo). Assim, fica difícil para mim afirmar o que é melhor ou pior... só posso dizer o que prefiro. (Hum... isso me impossibilita a escrever alguns posts? Preciso ver as conseqüências disso no grau em que eu assumo do meu pensamento.)

(Olha só, já fiquei falando de mim no seu blog. Aliás,tudo aqui é a minha regular [em algum sentido] opinião. Se quiseres, apaga...)

Anônimo disse...

texto bom!